Ao final da República Romana, diante do aumento da insatisfação popular e da crescente desigualdade social, surge uma estratégia, uma alternativa para conter a represália do povo romano. Estratégia essa, apelidada de “Política do Pão e Circo”, que consiste em transferir a atenção popular dos problemas do império para a distribuição de alimentos e a promoção de espetáculos públicos grandiosos. Ao fazer uso do mecanismo de coerção social disfarçado de entretenimento e assistência, os governantes mantinham as massas entretidas e sobretudo, caladas.
Séculos se passaram e o que era uma política da Roma Antiga tornou-se, no Brasil contemporâneo, uma prática requentada e adaptada às nossas arenas modernas. Os coliseus já não são de pedra: hoje se chamam sambódromos, estádios e arenas de rodeio. O pão já não é lançado à plebe em cestos, mas distribuído na forma de eventos populistas, shows gratuitos e celebrações financiadas com recursos públicos.
Essa estratégia encontra terreno fértil em um país marcado por relações personalistas, onde, como bem descreveu Sérgio Buarque de Holanda, "o brasileiro é, antes de tudo, um homem cordial", expressão que não remete à gentileza, mas ao predomínio das emoções e dos vínculos pessoais sobre a racionalidade institucional. Assim, não é raro ver um político aplaudido por organizar uma festa milionária em uma cidade com esgoto a céu aberto. O homem cordial, movido por afetos e simpatias, esquece-se do zelo pela coisa pública, cedendo lugar à fidelidade ao benfeitor.
A crítica aqui não é ao lazer ou à cultura, elementos fundamentais à vida em sociedade, mas à instrumentalização política desses recursos. A Olimpíada de 2016, por exemplo, custou ao Brasil mais de R$ 40 bilhões, com promessas de legado e desenvolvimento que se dissolveram como fumaça. Uma espécie de novo coliseu, construído com o suor dos contribuintes para agradar os olhos do mundo. Terminados os jogos, sobraram os elefantes brancos e o endividamento.
Nas pequenas cidades, a prática se repete com outro figurino: shows caríssimos financiados por prefeituras, que destinam cifras expressivas ao entretenimento enquanto escolas carecem de estrutura e postos de saúde lutam para funcionar. Aqui, o “pão romano” toma a forma de brindes, sorteios e churrascadas, muitas vezes usados como moeda de troca política em acordos informais entre gestores e eleitores.
A armadilha da política do pão e circo é que ela não apenas mascara a miséria estrutural, como a perpetua. Como bem apontou Adam Smith, em seu livro, A Riqueza das Nações, “é pelo seu trabalho que o homem se sustenta, e é do valor de seu trabalho que ele retira seu sustento”. Ao invés de investir na produção e na liberdade econômica, nossos líderes escolhem a via da dependência e da alienação. Smith, também critica o dirigismo estatal disfarçado de benevolência, alertando que a intervenção que não visa a produtividade acaba por “desencorajar a indústria e distorcer os incentivos naturais do mercado”. Um Estado que se ocupa mais em organizar festas do que em garantir liberdade econômica para seus cidadãos, torna-se cúmplice da estagnação.
A crítica, portanto, não é ao povo que se diverte, mas ao sistema que o mantém infantilizado, sempre à espera de migalhas em troca de aplausos. Um sistema clientelista que substitui cidadania por entretenimento e planejamento por populismo.
A história nos mostra que o Império caiu, mesmo com pão e circo. A pergunta que fica é: quanto tempo o Brasil resistirá, entretido, diante de sua própria decadência?
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